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O dilema das “grandes” empresas

By 28 Novembro, 2023Sem categoria

 

Afinal, o que é uma grande empresa? E quais as vantagens e os inconvenientes que se lhe devem associar?
A Comissão Europeia define a categoria de micro, pequenas e médias empresas (PME) como sendo constituída “por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros”. Ou seja, seguindo tal critério, e tendo em conta o perímetro societário que deve ser considerado para o efeito, uma empresa com 250 ou mais trabalhadores é classificada como grande empresa, independentemente do valor dos seus ativos e volume de negócios.

Tal disposição, aprovada em 2003, está longe de ser consensual, e ao contrário do que é sugerido em alguns debates recentes, não é o já longo período de tempo entretanto decorrido que recomenda, prioritariamente, a sua revisão. No passado mês de setembro, Bruxelas admitiu mesmo que tinha o objetivo de rever a definição de PME ainda antes do final do ano, ficando, contudo, a dúvida quanto ao seu verdadeiro alcance e motivações. Muitos empresários portugueses e respetivas associações têm bem presente este tema, que se vem arrastando no tempo, à mistura com muitas promessas veiculadas por diferentes agentes políticos.

Segundo um estudo publicado em 2010[1], abrangendo 132 economias, concluía-se que, destas, 46 usavam a mesma definição da União Europeia no que diz respeito ao limiar dos 250 trabalhadores. Em 2022 o Reino Unido alterou a sua definição de PME, elevando de 250 para 500 o limite do número de trabalhadores, estando em aberto a possibilidade de uma nova alteração, agora para 1.000 trabalhadores. Mas o limiar dos 500 trabalhadores parece ser, cada vez mais, o que recolhe a aprovação das grandes economias, sendo esse o limite em vigor em países como os EUA e o Canadá.

A importância deste tema pode justificar-se por razões de natureza teórica, mas também no domínio das políticas públicas e, em particular, dos incentivos financeiros e fiscais ao investimento empresarial.

No plano teórico, a dimensão das empresas não é uma questão inócua, pois pode consubstanciar diferenças significativas no que concerne à sua organização e gestão, ao acesso a diferentes fontes de financiamento, à capacidade de investimento em atividades de I&D e, em síntese, ao valor gerado para a economia onde se inserem. É, de resto, bem visível, a concorrência que frequentemente se estabelece entre diferentes países e regiões na oferta de condições especiais para captar grandes investimentos que correspondam aos seus desígnios económicos e sociais. Em termos económicos, a procura de externalidades, ou seja, de investimentos que promovam o desenvolvimento de outras atividades e o consequente crescimento dos rendimentos e do emprego, justificam normalmente a previsão das referidas condições no desenho das políticas públicas. Ora, neste contexto, a definição de limites quantitativos rígidos e universais resulta redutora, pois a referida dimensão teria de ser avaliada em conformidade com um conjunto mais alargado de fatores, como a realidade setorial e concorrencial e a dimensão do mercado relevante. Ou seja, uma empresa de transportes aéreos com 2.000 trabalhadores poderia ser considerada relativamente pequena, no seu contexto, enquanto uma rede de restaurantes com 1.000 trabalhadores poderia, também no seu contexto, ser considerada grande, com as implicações em termos económicos decorrentes do que acabamos de expor.

Por outro lado, esta é uma realidade que vai ao encontro do que poderíamos designar como a perceção “psicológica” da dimensão da empresa. Quando alguém pensa no que define uma pequena, média ou grande empresa, é pouco provável que o limiar do número de trabalhadores constitua por si só um critério de definição consensual, tanto mais que o limite dos 250 trabalhadores pode conviver, como efetivamente acontece em Portugal, com valores relativos ao volume de negócio anual e ao ativo total substancialmente inferiores aos estabelecidos. Esta é uma realidade que, seguramente, se torna ainda mais relevante quando fazemos uma comparação entre países (neste enquadramento é difícil admitir que um português tenha a mesma perceção quanto à definição de uma grande empresa do que um francês ou um alemão).

Contudo – e assim passamos para as questões de natureza prática – por razões que se prendem com motivações de ordem política, fiscal e laboral, entre outras, os países não prescindem do estabelecimento de critérios de classificação com limites precisos e, genericamente, de aplicação generalizada, afastando-se, assim, do rigor que uma análise económica mais robusta poderia aconselhar, tendo em devida conta a realidade económica de cada país ou região, de cada setor ou mercado.

No caso da U.E., o argumento do “mercado único”, aceitável no plano dos princípios, não justifica a uniformização de todos os critérios de classificação, com evidentes repercussões nas políticas públicas dos diferentes países. A utilização de tais critérios para a definição das empresas que têm (ou não) acesso aos designados fundos comunitários, constitui um exemplo bem elucidativo da pertinência desta matéria. Com efeito, neste domínio, e de modo mais acentuado no âmbito do atual Quadro Comunitário de Apoio, as grandes empresas são excluídas da possibilidade de acesso aos incentivos financeiros previstos na generalidade dos programas, com algumas exceções, em particular no domínio dos investimentos em I&D. O acesso a apoios à internacionalização e qualificação encontra-se vedado a estas empresas, tal como o acesso a investimentos no domínio da inovação produtiva, embora aqui com a exceção dos investimentos incluídos no chamado regime contratual, o qual impõe, ainda assim, e salvo situações excecionais, a realização de investimentos com despesas elegíveis mínimas de 25 milhões de euros…

Em Portugal, em 2021, e segundo dados da Pordata, existiam 1.378 grandes empresas, em resultado da aplicação dos citérios em vigor na U.E. Infelizmente não conseguimos segmentar, por indisponibilidade de informação para esse efeito, a distribuição destas empresas segundo os diferentes critérios previstos e tampouco a sua análise comparativa com outros países. Seria particularmente útil, neste contexto, apurar o número de empresas que são excluídas do estatuto de PME e, portanto, consideradas grandes empresas, em resultado apenas da aplicação do critério do número de trabalhadores, ou seja, as empresas que por terem 250 ou mais trabalhadores (no perímetro societário relevante) são, apenas por isso, consideradas grandes empresas.

Com efeito, é reconhecida a importância que as designadas indústrias tradicionais, como, por exemplo, a indústria da moda, continuam a ter no nosso país, com forte expressão ao nível do emprego (e também das exportações) o que facilmente determina a transposição dos referidos 250 postos de trabalho ao mesmo tempo que permanecem muito afastadas dos limites previstos para o volume de negócios anual (50 milhões de euros) e para o total do ativo (43 milhões de euros). E é de admitir que esta realidade seja mais representativa em Portugal face ao que ocorre noutros países da U.E., e talvez mesmo na nossa vizinha Espanha, o que torna esta questão particularmente sensível. Ora, é genericamente reconhecida a necessidade de tais empresas evoluirem na respetiva cadeia de valor, no sentido de um posicionamento competitivo sustentado, com um maior potencial de gerar valor, relativamente menos dependente do número de trabalhadores e do custo do fator trabalho. Tal evolução exige também investimentos, designadamente em intangíveis, como a marca, o design, a prospeção de novos mercados e clientes, a par da incorporação de novas tecnologias e emprego qualificado ao nível da produção, mas também da distribuição e na gestão do relacionamento com o mercado e os seus clientes, efetivos e potenciais, estando assim estas empresas impedidas de concorrer à quase generalidade dos fundos comunitários pelo simples facto de ultrapassarem o limite dos 250 trabalhadores e, por isso, de não serem reconhecidas como PME.
Mas, afinal de contas, qual poderia ser a solução para este problema? É nosso entendimento que o alargamento do número limite de trabalhadores e a consideração de tal critério como podendo por si só determinar a classificação de uma empresa como PME manteria, no essencial, os problemas que identificamos. Em alternativa, com a eventual revisão desse limite, que parece recolher muitas opiniões favoráveis, entendemos que a solução passaria por considerar sempre, no mínimo, dois dos três limites convencionados, deixando assim o volume de emprego de determinar, por si só, a classificação atribuída a uma empresa. Deste modo, numa altura em que se anuncia a revisão para breve dos critérios em questão, e reconhecendo a importância política que a definição em causa pode assumir, entendemos que tal interpretação, não sendo a ideal, poderia apoiar a legitima aspiração de muitas “grandes” empresas nacionais de se tornarem, a prazo, verdadeiras grandes empresas. E evitaria também situações perversas do ponto de vista económico, traduzidas na opção de algumas empresas pelo não crescimento para além daquele limite de modo a manter o estatuto de PME e os correspondentes benefícios potenciais.

Raquel Choça (economista)

 

[1]  Kushnir, K., Mirmulstein, M. L., & Ramalho, R. (2010). Micro, Small, and Medium Enterprises around the World: How Many Are There, and What Affects the Count? World Bank/IFC.

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