As Fusões e Aquisições (F&A) criam ou destroem valor nas empresas envolvidas? Esta é seguramente uma das questões que mais interesse tem despertado, a propósito destas operações, nos meios académico e empresarial.
Uma operação de F&A (ou M&A na sigla em inglês) inicia-se quando a equipa de gestão e/ou os sócios/acionistas da empresa alvo consideram a hipótese de vender, quer seja por sua própria iniciativa, quer seja na sequência de uma (ou mais) proposta(s) de aquisição. O processo de aquisição ou fusão prossegue normalmente em privado até à conclusão dos termos do acordo e aprovação pelos respetivos sócios/acionistas. Em alguns casos, mais delicados do ponto de vista da salvaguarda da livre concorrência, o processo pode depender ainda da autorização prévia da autoridade da concorrência.
As F&A podem ser vistas como um jogo estratégico e a análise dos participantes e das estratégias utilizadas por cada um deles, ajuda a perceber os resultados obtidos. Neste processo, as empresas precisam de fazer opções, que envolvem a escolha do mecanismo de venda (p.e. negociação ou leilão), determinação da oferta inicial (e eventualmente de ofertas subsequentes), opção por adquirir previamente (ou não) uma participação no capital (toehold), escolha do método de pagamento (dinheiro e/ou troca de ações), entre outras. Todas estas questões irão influenciar o desfecho do jogo, a oferta final (preço) e, quando há mais do que uma oferta concorrente, a empresa adquirente vencedora. Analisaremos, de seguida, a forma como cada um destes elementos poderá influenciar o resultado final das operações de F&A.
A seleção do mecanismo de venda
Os dois métodos mais comuns para a venda de empresas são os leilões simultâneos e o mecanismo sequencial. Os leilões envolvem ofertas concorrentes em simultâneo. É o caso, por exemplo, das operações de privatização em que todas as ofertas devem ser apresentadas até um determinado prazo. Já no caso do mecanismo sequencial, os potenciais proponentes são abordados sucessivamente. Após a primeira oferta (que até pode começar por ser negociada por ambas as partes), os potenciais concorrentes subsequentes podem observar o preço anterior, assim como o desenvolvimento da operação, e decidir entrar ou não na corrida. Se decidirem entrar, a primeira empresa concorrente retém normalmente o direito de fazer uma revisão da oferta anterior, e o jogo pode, assim, determinar novos lances.
Quando uma empresa é abordada por um potencial comprador, ela tem três opções: (i) negociar a operação com esse potencial comprador; (ii) anunciar publicamente que a empresa está à venda (i.e., inicia um leilão) ou (iii) negociar com o potencial comprador, mas mantendo a opção de realizar um leilão posteriormente. A primeira opção tem a vantagem de o vendedor negociar com o potencial comprador quer o preço quer outras eventuais contrapartidas do negócio. Mas, a estratégia de lançar um leilão (segunda opção) permite a entrada de novos concorrentes, o que poderá garantir um preço mais alto, ainda que, nalgumas circunstâncias, esta estratégia possa não ser eficaz e culminar com o insucesso da operação. A última opção
combina as duas primeiras e permitirá reduzir o custo de uma negociação falhada, ainda que possa tornar essa negociação menos eficaz.
Determinação da oferta inicial
A oferta inicial é uma das questões mais relevantes num processo de F&A, pois é na oferta inicial que se decide a forma da operação (oferta de compra ou convite para negociar o contrato de fusão), é definido o valor indicativo da oferta, assim como o método de pagamento (dinheiro e/ou ações da empresa compradora).
Nas empresas cotadas, a evidência empírica sugere que os prémios da oferta inicial (diferença entre o preço oferecido e a média das cotações nos dias anteriores ao lançamento da operação) são geralmente elevados, dependendo, em primeira linha, do número de concorrentes que se apresentam na operação. Os resultados da evidência empírica sugerem que as F&A com uma única oferta apresentam prémios mais elevados face às operações com mais concorrentes e aumentam a respetiva taxa de sucesso. Estes resultados sugerem que os potenciais compradores tendem a aumentar os prémios da oferta inicial para dissuadir o
aparecimento de ofertas concorrentes.
Mas o prémio da oferta inicial também pode ser influenciado por outras razões, como estratégias pré-fusão predatórias levadas a cabo por potenciais compradores para destruir o valor da empresa-alvo. O tipo de F&A em causa (estratégica versus financeira) pode também influenciar o referido prémio uma vez que os compradores estratégicos podem estar dispostos a pagar mais do que os potenciais compradores financeiros, porque são capazes de obter, para além dos benefícios relacionados com eventuais reorganizações das empresas alvo, sinergias potenciais em resultado da fusão, normalmente de menor complexidade na sua valorização.
Aquisição prévia de ações (Toehold)
Quando uma empresa está a pensar lançar uma OPA sobre outra empresa, sendo esta cotada, pode previamente adquirir ações dessa empresa no mercado. Desse modo, mesmo que a aquisição falhe, a compra dessas ações pode ser uma estratégia rentável, desde logo porque as cotações das ações tendem a aumentar quando são conhecidas as operações de F&A, mesmo que a operação falhe. Por outro lado, os toeholds podem permitir ao potencial adquirente o acesso a informação de que de outro modo não disporia, o que pode ajudar à determinação de uma estimativa mais fiável das possíveis sinergias antes da apresentação de uma oferta de preço.
Mas, na realidade, as toeholds não são muitas frequentes, pois envolvem desvantagens e riscos relevantes, como seja, em alguns casos, a necessidade de publicitar a aquisição de participações qualificadas abrindo assim espaço ao aparecimento de ofertas concorrentes, e, noutros casos, a eventual reduzida liquidez do mercado pode limitar a capacidade de alineação dessas ações caso a operação falhe.
Escolha do método de pagamento
Geralmente existem duas formas de pagamento das operações de F&A – dinheiro ou ações (da própria empresa compradora), podendo também verificar-se um misto entre dinheiro e ações, com as limitações que a ordem jurídica aplicável determinar.
Um dos aspetos mais frequentemente analisados neste domínio é o da fiscalidade associada à operação. Neste contexto os negócios pagos em dinheiro podem ser relativamente mais onerosos, dado que os acionistas da empresa alvo pagam o eventual imposto sobre ganhos de capital, enquanto que, num negócio de troca de ações, o pagamento do imposto sobre ganhos de capital é diferido para quando as ações recebidas forem efetivamente vendidas. Dessa forma, os negócios pagos em dinheiro podem justificar um prémio maior, de modo a compensar os acionistas da empresa alvo pelo efeito fiscal.
Por outro lado, num contexto de assimetria de informação, uma aquisição exclusivamente por troca de ações, pode sinalizar a sobrevalorização das ações da empresa adquirente. Mas pode ser também do interesse dos gestores a entrega de dinheiro, de modo a manter as relações de poder e de interesses anteriores à fusão.
Em síntese, são estas algumas das considerações que, em nosso entender, permitem encarar as operações de F&A como um jogo estratégico, do qual ambos os participantes podem sair vencedores, mas que, como na generalidade dos jogos, uns podem sair a ganhar e outros a perder…