Ao longo do seu ciclo de vida, é natural que as empresas se deparem com situações que podem requerer um processo de reestruturação. Na sua aceção mais geral, reestruturação empresarial é um conceito abrangente que comporta operações de investimento, desinvestimento ou simplesmente reorganização relacionadas com alterações na estrutura de controlo, organização e gestão da empresa. Tendo isto em mente, iremos procurar neste artigo compreender qual o racional subjacente a uma das operações que tem suscitado maior interesse por parte dos empresários e investidores. Falamos assim das operações de fusões e aquisições de empresas (Mergers and Acquisitions, M&A utilizando a sigla inglesa).
- Aquisição – Em caso de aquisição de uma participação maioritária, corresponde à tomada de posição de controlo da propriedade de uma empresa-alvo (target company), por parte do adquirente estratégico ou financeiro (bidder company).
- Fusão – Operação na qual duas ou mais empresas separadas se combinam numa única entidade empresarial, existente ou a constituir.
Frequentemente analisadas como alternativa ao crescimento orgânico da empresa, as fusões e aquisições podem ser um meio mais eficaz para alcançar os tão desejados incrementos, quer ao nível das receitas, quer ao nível da melhoria das margens. De facto, as empresas de maior sucesso olham para as duas alternativas como complementares. Esta postura dá-lhes mais confiança para iniciar operações de M&A e assim preservar ou melhorar o momentum dos seus negócios atuais, executar mais aquisições e, ultimamente, alcançar crescimento dos resultados em cada transação que iniciam (alcançando uma performance superior, e menos volátil, do que a das empresas que procuram crescer única e exclusivamente através de crescimento orgânico). Contudo, uma estratégia de crescimento que inclui M&A não se limita simplesmente à compra sistemática de mais empresas. É necessária uma abordagem disciplinada e racional quanto à seleção de alternativas e execução da mesma, assente num processo de melhoria contínua. Na tabela apresentada abaixo, apresentamos diversas situações em que é mais provável optar por uma destas alternativas aqui discutidas em detrimento da outra.
Antes de explorarmos quais as razões que levam os agentes económicos a iniciarem operações deste tipo, importa salientar que elas não constituem em si um fim, mas antes um meio através do qual as empresas podem aumentar o potencial de criação de valor e cumprir com o plano e visão traçados para a empresa. Algo que se tem de ter sempre em mente aquando da tomada de decisão de aquisição de um determinado target é o facto de que, em M&A, cada caso é um caso, pelo que cada operação deve ser minuciosamente planeada e ponderada, pois trata-se de um processo complexo que compreende várias subactividades relacionadas entre si.
Um dos fatores mais importantes para o crescimento e desenvolvimento do mercado de M&A nas últimas décadas é a crescente perceção positiva quanto aos potenciais retornos que podem advir destas operações (a transferência de controlo pode permitir “desbloquear” valor e recursos que estão a ser geridos de maneira ineficiente). As empresas e os investidores estão a aumentar a sua confiança em M&A. Hoje em dia, é cada vez mais frequente encontrar empresas com estratégias robustas quanto ao modo de encarar estas operações (sendo parte integrante do plano de negócios global das mesmas). Igualmente, os processos de identificação, avaliação e due diligence estão a ser trabalhados numa perspetiva que ultrapassa largamente a dimensão financeira do negócio e os potenciais riscos do mesmo, o que se tem vindo a revelar um dos fatores fundamentais para uma integração eficaz do target.
A decisão de adquirir o controlo de uma empresa costuma ser fundamentada em mais de um fator. Nesse sentido, atendendo às motivações mais citadas como racional para esta decisão, foi possível dividi-las em três categorias:
- Estratégicas: aumento da quota de mercado; aumento do poder negocial da empresa; entrada num novo segmento de mercado (ou aceleração desse processo); completar a linha de produtos da empresa; aquisição de “capacidades” e de informação sobre um determinado mercado; maior alcance de mercado e maior visibilidade (se a empresa é uma empresa líder de mercado a sua marca ganha notoriedade, o que facilita a captação de novos clientes).
- Económicas: economias de escala; ganhos operacionais; aceleração do crescimento da empresa (rejuvenescimento da empresa com novos recursos, novas ideias, oferta mais alargada de produtos e serviços, o que pode permitir não só vender mais produtos aos clientes já existentes, como também alargar a base de clientes da empresa); melhorias no marketing e canais de distribuição da empresa; aumento da riqueza dos stakeholders da empresa; aquisição de ativos/empresas subavaliados; complementaridade em termos de I&D; disrupção no setor; alterações na envolvente macroeconómica; eliminação de ineficiências (melhor alternativa face à utilização de excess cash da empresa, por exemplo); benefícios fiscais (caso de aquisição de empresas numa jurisdição com menor carga fiscal, por exemplo).
- Financeiras: aumento da capacidade de contrair dívida por parte da empresa; redução da volatilidade dos ganhos da empresa (que pode levar a uma redução dos custos de financiamento); redução de impostos.
Posto isto, uma questão que se levanta neste ponto é a que define a linha entre sucesso e insucesso em M&A. Muitos agentes ainda associam M&A a uma operação de destruição (ou pelo menos não incremental) de valor para o adquirente. A verdade é que, na literatura, é possível encontrar um extenso debate sobre os retornos que advêm da aquisição de uma empresa. No nosso ponto de vista, a avaliação de uma operação desta natureza não se pode limitar a um, ou apenas alguns, indicadores quantitativos (método utilizados por inúmeros autores). Quando se analisa uma aquisição é necessário compreender o racional (isto é, o que guia a criação de valor ou qual o enquadramento na estratégia da empresa, por exemplo) por detrás dos valores apresentados, quer nas projeções, quer dos resultados efetivamente alcançados, pelo que é necessário conjugar indicadores quantitativos e qualitativos.
Como foi referido anteriormente, não é possível definir uma “fórmula” para o modo como se deve encarar as operações de fusões e aquisições de modo a garantir o seu sucesso. Cada operação de M&A deve ser tratada de acordo com as suas especificidades, pois compreende diversas subactividades, como o processo de seleção de potenciais targets, due diligence, negociação, etc., respeitantes à essência de cada negócio. Assim, neste contexto, apesar de a transferência de conhecimentos de uma experiência passada para uma subsequente ser particularmente desafiante, é fundamental analisar cada operação a posteriori. Apenas desta forma é possível construir e melhorar continuamente a capacidade de criar consistentemente valor através de M&A – mesmo quando o racional de uma aquisição anterior não se aplica a uma subsequente, a identificação eficaz das diferenças chave entre negócios pode ser uma ferramenta importante para uma empresa que possua, ou pretenda possuir, uma agenda ativa em operações de M&A, possibilitando transpor conhecimentos passados apenas quando estes se devem aplicar.
Assim, a diferença entre o sucesso e o insucesso depende apenas da forma como uma empresa aborda a operação (isto é, depende da disciplina com que a empresa trata a transação). É apenas possível estabelecer algumas “regras do polegar” que podem aproximar os adquirentes de garantir o sucesso através destas operações. Estas vão desde o desenvolvimento ativo de algumas capacidades até ao conhecimento de alguns erros comuns que se devem evitar.
Em primeiro lugar, antes de iniciar a abordagem aos potenciais targets, a empresa deve conduzir um processo de due diligence inicial tão completo quanto possível (os agentes devem basear-se não só nos factos, mas também no seu conhecimento sobre o setor). O seu propósito em M&A é, por exemplo, suportar a escolha, a opção e o timing mais apropriados para a prossecução dos objetivos estabelecidos, munir os negociadores das ferramentas necessárias para o sucesso do processo negocial, ou servir de base para a elaboração do plano de integração a desenvolver. Quando uma empresa decide tomar o controlo de outra, deve ter certezas de que a última se enquadra na sua estratégia e de quais vão ser os fatores-chave que vão conduzir a criação de valor. Também, todas as expectativas iniciais relativas às potenciais sinergias devem ser revistas à medida que se vai obtendo mais informação sobre a empresa-alvo – estas foram produzidas tendo por base informação limitada (aquela disponível anteriormente ao contacto com a empresa-alvo) e, depois da conclusão do negócio, devem servir como uma base e não como um objetivo a alcançar. Ao mesmo tempo, a transparência entre as partes assume um papel fulcral na criação de valor em M&A. Em específico, uma elevada transparência no decorrer das negociações ajuda a reduzir o gap de informação entre as partes, levando em última instância à redução da incerteza quanto aos ganhos potenciais e a uma negociação eficiente do valor a pagar pelo target (uma situação que se pretende seguramente evitar é a cessação do acordo ou renegociação dos termos do mesmo devido a alguma informação sobre uma das partes que foi previamente ocultada).
- Sinergias – definimos sinergias como um termo genérico que sumariza os benefícios que advêm da combinação de dois (ou mais) negócios, constituindo o principal fator de criação de valor em M&A (em sentido lato, Valor de (AB) > Valor de (A) + Valor de (B), ou seja, o valor da empresa combinada é superior ao valor das empresas individuais). Podem ser operacionais, financeiras ou opções reais.
Por outro lado, existem algumas situações que a empresa deve evitar quando decide proceder a uma operação de M&A. Uma que se destaca claramente é o pagamento excessivo pelo controlo da empresa-alvo. Este pode ocorrer por vários motivos, como por exemplo: sobrestimação das sinergias potenciais (sobretudo das sinergias ao nível das receitas operacionais); pagamento excessivo por ativos que “descem pelo elevador” ao final do dia (isto é, pagamento excessivo por recurso humanos e conhecimentos específicos); falha na perceção do momento em que as sinergias se tornam efetivas e por quanto tempo estas têm capacidade de prevalecer; sobrestimação do valor potencial do mercado; ou confiança excessiva na capacidade da empresa de integrar o target no seu ecossistema. Contudo, em certas exceções uma empresa pode racionalmente pagar um preço excessivo por um dado target, como é o caso, por exemplo, de o custo de perder a oportunidade de adquirir o controlo de uma dada empresa-alvo para um concorrente ser superior ao de pagar efetivamente um preço superior (minimização de custos), especialmente quando existe uma certa escassez de targets atrativos no setor. Um outro cenário, embora mais difícil de comprovar, é o caso em que a empresa estaria numa situação pior se não tivesse realizado a transação, mesmo que esta se venha a revelar uma operação que destruiu valor.
A este propósito, é importante também referir a importância de um plano de integração eficaz e devidamente planeado. Uma das maiores causas do insucesso de certas operações de M&A é a falta de capacidade para incorporar a empresa adquirida no ecossistema da própria empresa. Os “números” apresentados antes da conclusão do processo negocial podem mudar rapidamente. De forma similar, o tempo é outro fator silencioso para o insucesso de toda a operação. Quanto mais uma empresa adiar o processo de integração do target, mais difícil se tornará a captura de certas sinergias e mais fácil será para os competidores o fecho do gap criado pela transação.
Igualmente importante é a manutenção do foco da empresa na sua estratégia. Neste âmbito, os gestores não devem ceder a pressões para a apresentação de resultados. De facto, isto pode levar a empresa a entrar num ciclo vicioso: a pressão para crescer ou mostrar resultados pode levar ao estabelecimento de objetivos irrealistas (sobre a rapidez, facilidade ou incrementos que podem advir de uma operação de M&A), o que leva ao aumento da probabilidade de falhanço dos mesmos, e consequentemente à intensificação da pressão para mostrar resultados. Deste modo, inevitavelmente, acabar-se-á por negligenciar o plano estratégico da empresa e comprometer o crescimento a longo-prazo da mesma.
Bibliografia
Grilo, Paulo Tiago Fidalgo. Case study: the acquisition of Whole Foods Market, Inc. by Amazon. com, Inc. Diss. 2019.
DePamphilis, Donald. Mergers, acquisitions, and other restructuring activities: An integrated approach to process, tools, cases, and solutions – Eighth Edition. 2016